Kaddafi liderou uma revolução que derrubou um rei corrupto e a serviço de potências capitalistas, principalmente no que se refere à entrega de petróleo líbio a empresas estrangeiras. Lançando como plataforma política e doutrinária o seu chamado Livro Verde, Kaddafi defendia um socialismo autóctone, tribal, distante de qualquer outra experiência já ocorrida em outras regiões do mundo, a começar pela não-existência de um parlamento, de uma democracia representativa. Realizou reformas sociais importantes, dando prioridade para a Educação e uma razoável distribuição de riquezas. Nacionalizou o petróleo. Por isso, teve contra si todas as potências capitalistas, mormente os EUA, que chegaram a atacar o palácio do governo, matando uma filha sua.
Anos depois, Kaddafi muda de orientação política e de relacionamento com as potências imperialistas. Aproxima-se de governos destas potências e acaba por tomar medidas privatizantes, como a concessão de exploração de petróleo a petroleiras privadas. Rompe, desta forma, com o que ele mesmo defendia em sua campanha antiimperialista dos anos 60 e 70, principalmente. Com certeza, perdeu apoio popular devido a esta sua nova tomada de posição. No mínimo, o povo líbio ficou um tanto perplexo frente ao novo Kaddafi.
Contudo, esta aproximação de Kaddafi ao neoliberalismo e de apoio a Bush nas ações deste contra a AL-KAEDA não garantia que as potências capitalistas achassem que ele merecia sua plena confiança. Assim, agiriam contra ele no momento oportuno. O seu desgaste junto ao povo tornou-se este momento, em nome da necessidade de derrotar um ditador, que – diga-se de passagem – não era tratado como tal anteriormente pelos próprios governantes desses impérios. Chegava o instante de os colonialistas retomarem a Líbia, com seu petróleo, ouro e riquezas outras.
O objetivo primeiro para concluir este objetivo era a morte de Kaddafi. Mantê-lo vivo não seria nada seguro. Poderia ele sofrer uma “recaída”, voltando a ser o nacionalista e revolucionário da Líbia independente. Conseguiram os colonialistas mobilizar seus meios de comunicação em todo o mundo, obtendo apoio ou a indiferença da maior parte da opinião pública para a tese de que representavam o bem frente a um mal que deveria ser destruído, a qualquer custo, inclusive com desrespeito à própria resolução da ONU, que não incluía o assassinato de Kaddafi.
Kaddafi chegou a um ponto, que nem o povo nem o imperialismo confiavam nele. O povo, num quadro de inexistência de organização e lideranças revolucionárias, não teve condição de avançar na defesa de seu país, conseguindo vitórias políticas que lhe garantissem conquistas sócio-econômicas. Sem forças revolucionárias anti-Kaddafi, a insurgência para derrubá-lo vem pela direita, disposta a tudo para atingir seu intento, colocando-se a serviço das potências neocolonialistas, sabendo que, sem elas, jamais derrubariam o governo, não obstante o desgaste de Kadaffi junto à população.
Com o apoio das bombas da OTAN, matam não só Kaddafi, mas, também, a soberania da Líbia. De ex-colônia, a Líbia passa a ser neocolônia, até que seu povo, forjando na luta novos líderes sem vacilação juntos aos que desejam dominá-lo, conquiste sua liberdade e trace o seu próprio destino.
AS ESQUERDAS E A LÍBIA
Nesse espaço de transição entre a queda da União Soviética e o estabelecimento de um novo processo revolucionário em avanço no mundo, aparecem esquerdas de todos os tipos, inclusive as que se embriagam com agendas imperialistas, dando eco às suas teses de dominação, em nome da democracia de mercado e de falsos direitos humanos, como se impérios tivessem compromisso com liberdades individuais e com a felicidade humana. A indiferença, ou mesmo o apoio tácito da maioria absoluta de tais esquerdas em relação às ações imperialista na Líbia, é uma prova disso, tristemente obedientes às assertivas de governos da OTAN de que o que pretendiam com a derrota e morte de Kaddafi era livrar a Líbia de um tirano, um ditador.
Os colonialistas, por razões óbvias, não diziam o que pretendiam verdadeiramente com a sua invasão da Líbia, que valeria a pena praticarem matança para apoderar-se de petróleo e outros recursos naturais do país. As esquerdas, da crise ideológica que afeta a humanidade no momento, absorveram esta astúcia imperialista com uma tranquilidade assustadora. Não entenderam, por serem setores de crise ideológica em andamento, que a questão não se resumia no apoio, ou não, à figura de Kaddafi. É sabido – não se nega isso – que Kaddafi, com a sua recente aproximação a potências imperialistas, com suas privatizações e outras políticas nocivas ao povo líbio, acabaria por afastar a simpatia que as forças progressistas de praticamente todo o mundo tinham por ele e seu governo. Isso é compreensível. Porém, não era o apoio, ou não, a Kaddafi que estava em jogo, mas, sim, a agressão ao princípio de autodeterminação dos povos, que têm o direito de escolher soberanamente seu próprio caminho para a solução de seus problemas políticos, econômicos e sociais. Um absurdo que alguém que se diz de esquerda, democrata ou progressista, concorde, de uma forma ou de outra, que potências colonialistas decidam assassinar um chefe de governo de qualquer país do Planeta por ser este inconveniente aos seus objetivos, em nome de princípios que não são inerentes a quem tem, como fundamento de sua própria existência, a dominação e exploração de povos ao longo de séculos de colonialismo. Achar que colonialistas, criadores do fascismo, agem a bem da ordem democrática e do respeito a direitos humanos é ingenuidade ou má-fé .
Ao invés da indiferença ou apoio tácito ao assassinato de Kaddafi pela OTAN e seus fantoches na Líbia, todas as esquerdas deveriam sair em defesa da nação líbia, defendendo que o próprio povo deste país decidisse que caminho seguir, como superar as contradições que enfrentam.
Não quiseram entender tais esquerdas que os mesmos falsos argumentos usados pelos imperialistas para intervirem na Líbia, com bombas destruindo milhares de vidas humanas, poderão ser usados por eles para derrubarem governos de outros países no futuro, para satisfazerem seu interesses. Com a indiferença, ou o apoio implícito de certas esquerdas, está aberto mais um triste precedente. A esperança é que os povos se organizem e reajam a futuras escaladas intervencionistas do imperialismo.
Comitê Bolivariano de São Paulo