Com um péssimo serviço na área da Saúde e da Educação, salários baixos e tantos outros problemas que afetam o povo, a insatisfação popular tem sido uma constante no Brasil. Tudo segundo o previsto e inevitável numa sociedade fundamentada na concentração cada vez maior de riquezas nas mãos de capitalistas de todos os tipos e a consequente desigualdade crescente. O problema é que agora a insatisfação vai para as ruas. Os protestos se espalham por todo o país. A população demonstra estar chegando ao seu limite de tolerância. Chega às ruas, desorganizada, espontaneamente.
Nesses momentos de inquietação popular, de certo nível de rebeldia, normalmente são partidos de esquerda, revolucionários ou não, que dão o tom das ações, o direcionamento político. O que não acontece nesses protestos que se agigantam. Por quê? Bom, o partido criado na fase derradeira da ditadura militar, considerado de esquerda, com maior protagonismo nas lutas do povo, dos trabalhadores, a partir dos anos 80, era o PT. Nasceu, inclusive, se colocando como socialista. Mas, o PT mudou. Decidiu ganhar governos de qualquer maneira, achando que, para isso, deveria mudar de linha política, partindo para compor com setores de direita, inaceitáveis nos primeiros anos de sua existência. Por esse caminho chegou à presidência da República e a governos estaduais e municipais.
Achar que o PT, comprometido politicamente com aliados de uma parte das oligarquias brasileiras, não se afastaria do povo, de um trabalho de organização e conscientização política deste, é ser, de certa forma, ingênuo. Marchando nessa estrada, a consequência natural foi o PT deixar claro, nas suas iniciativas políticas e teóricas, que, em definitivo, optou por não ser uma organização anticapitalista. Fica com o voto do povo, mas se coloca longe dele. Na verdade, deixa de ser um partido de esquerda, embora ainda tenha pessoas de esquerda no seu conjunto de filiados. Um número muito reduzido. O PC do B, ainda que com características próprias, em linhas gerais, segue o PT.
Os protestos acontecem e, como era de se esperar, o PT distante deles. Tenta, às pressas, com certo desespero, expressar-se no movimento, mas é rechaçado por muitos manifestantes, inconscientemente que seja, atraídos por setores conservadores.
Como partidos de esquerda, aparecem o PSOL, PSTU, PCO e PCB, dizendo-se socialistas. Mas, estes partidos não têm maiores ligações com o povo. Enfrentam as dificuldades da conjuntura política e também os seus próprios equívocos. Aparentemente, preferem ganhar força nos parlamentos a terem, como centralidade, a organização e conscientização política da população trabalhadora. Assim, também eles, neste momento de protestos de rua, nenhuma liderança exercem sobre estes, passíveis, inclusive, de hostilidade de gente das manifestações.
Bom, então, não há partido de esquerda em condição de dar algum tom para tais protestos.
Em relação aos movimentos sociais organizados, com caráter de esquerda, também eles não têm condições de estar à frente desses protestos. Primeiro, por estarem um tanto restritos a suas demandas específicas; segundo, por serem vítimas de criminalização através da grande mídia, que joga contra sua imagem junto à população, recorrendo à deformação dos fatos como regra, sem se falar também de possíveis erros que têm cometido, inviabilizando, em certa medida, sua aproximação com as amplas massas do povo.
Destarte, os milhares de pessoas em protestos não têm qualquer direção política da esquerda organizada, partidária ou não. Muito pelo contrário, seu espontaneísmo exacerba sua hostilidade a esta, tratando-a como inimigo. E os protestos se evidenciam como uma rebeldia despolitizada.
Ora, se o movimento prima pela despolitização, com aversão à influência organizativa, política e ideológica da esquerda, é natural que a direita ache que o momento é propício ao seu avanço, procurando dar o tom para os protestos, mormente através de seus meios de comunicação, como a Globo e outros. É o que está fazendo. Ao invés de satanizar os protestos, como fizeram, quando as ações de rua eram dirigidas pelo MPL, agora os defendem, colocam-nos como coisas de patriotas e dão vivas a tantos “cidadãos indignados”, que querem um Brasil sem políticos corruptos. Seleciona a questão da corrupção como item central, talvez, dando passos no sentido de criar um novo “caçador de marajás”. Exploram a crença de que a corrupção é a única forma de roubo existente nesta sociedade dominada por grandes capitalistas, ocultando, com isso, os grandes corruptores proprietários de grandes fortunas, sem os quais não seriam possíveis a compra de almas, de políticos ou não, e o assalto de banqueiros aos cofres públicos, mormente através do movimento de gastos com o serviço da dívida pública, que chegam a 700 bilhões de reais anualmente (dois bilhões ao dia), e a retirada descomunal de dinheiro do país em forma de remessas de lucros de multinacionais para as suas matrizes, além de outras tantas formas de apropriação de recursos públicos por parte dos grupos econômicos. Endossam e divulgam os xingamentos dos partidos, que são colocados como se fossem todos iguais e, por aí, buscam criar as condições para a criação de mais um “salvador”, como fizeram com Collor, um “caçador de marajás” retirado do governo mediante a acusação de estar à frente de uma rede de corrupção.
É certo que a conjuntura política, hoje, é outra. Não é a mesma de outros momentos, em que a direita, unida, obteve rápido sucesso nas suas ações manipuladoras, usando suas farsas. Hoje, a direita está dividida. Uma parte está com Dilma, toda contente com as vantagens que consegue com o governo petista, mais ainda agora quando este abraça os apelos privatistas. Esta área conservadora “moderada” tem alguma influência sobre parte da grande mídia, evitando que esta ataque o governo; outra parte, ligada mais ao PSDB e DEM (ultraconservadora), faz tudo o que pode neste momento, para que o seu grupo se saia bem nas eleições vindouras. Conta com grandes jornais e redes de televisão para isso.
É cedo para se tirarem maiores conclusões, mas, neste momento de transe político, a direita já marcou um tento. E o pequeno avanço democrático está sob certa ameaça.
Aos partidos e movimentos sociais de esquerda resta tirarem lição deste momento crítico, verem onde têm errado, unirem-se e partirem para a ofensiva, apoiando os protestos, exigindo do governo que dialogue com o povo, que procure acatar as reivindicações colocadas nas ruas. Esta é a posição do MST e de outros movimentos sociais, por exemplo. Movimentos com a devida legitimidade para, não só apoiarem as manifestações de rua em evidência no momento, como também contribuírem para a efetivação do avanço organizativo e político dos protestos.
Que os protestos já trazem vitórias importantes, como a de a presidenta Dilma ser obrigada a receber lideranças destas manifestações, a começar pelo MPL, não se limitando a receber apenas organizações empresariais, não há nenhuma dúvida. A questão, agora, é fazer a devida disputa política com a direita, entusiasmada com a suposta acefalia das ações de rua em todo o país. Mais um desafio da esquerda em geral, num momento politicamente delicado, preocupante, não se esquecendo de que nem sempre uma manifestação de descontentamento justa resulta em avanços políticos para mudanças políticas de fundo. Não faltam exemplos de que milhões de descontentes acabaram por cair nas garras das forças conservadoras. Haja vista à multidão de descontentes que levaram ao governo Collor e FHC. Haja vista ao que aconteceu recentemente na Espanha, quando milhões de inconformados elegeram o candidato da ultradireita.
Sem a união e o avanço das esquerdas, o retrocesso, de imediato ou não, torna-se inevitável.
Cláudio de Lima